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Mostrando postagens de abril, 2010

Borrão

Foge do mundo. Mas volta arrependido, cabisbaixo e sem palavras de consolo. -Mas não trouxe nenhuma?! Não vistes tanta coisa?! E segue com as bochechas rosadas e com a voz lhe escapando. Segue por seguir porque não sabe aonde ir. Memória fraca. Talvez tudo gravado, mas, sendo assim, então, era péssimo em transpor! E transpirava cenas de filmes envelhecidos. Filmes mudos, música clássica! Ah! E suava a realidade para fora de si e fazia a multidão confundi-lo com uma ilusão. Provocava o público só de subir no palco! – trabalhava, para deleito geral, nas vinte quatro horas que tinha o dia e nos sete dias que tinha a semana. Afinal, era só uma atração. Uma atração à parte, mas não deixava de compor o espetáculo. E vivia a questionar a ironia de lágrimas escorrerem pela face de um palhaço. Devia parar: estava borrando a maquiagem.

Liberdade Condicional

Acordou ainda exausto, de boca seca, dor de cabeça e sem saber o que pensar. Cheirou a camisa, desabotoou-a e livrou-se dela. Depois dos sapatos, que já o incomodavam. Ele sempre ficava intrigado quando dormia completamente desconfortável como daquela forma, pois normalmente o sono lhe faltava e era um suplício fechar os olhos. Apenas de cueca, manuseou suas roupas procurando vestígios de batom, bebida ou os furos de cigarro dos seus amigos, mas nem cheiro tinha. A noite anterior era-lhe vaga e os sinais do dia seguinte que costumavam dar-lhe pistas de por onde andara hoje estavam tão escassos que ele se pôs a meditar no que poderia ter acontecido. Sua primeira reação racional foi checar seu bloco de notas, e num ímpeto buscou-o no bolso traseiro esquerdo de sua calça. Era o lugar mais seguro que poderia ter encontrado para guardar aquelas folhas que valiam ouro e o alívio transpassou em seu rosto quando tateou-as em seu lugar habitual. O mundo já podia cair lá fora, pois tudo estava

Imperfeito

chamo à este "clássico" por eufemismo. mas eis a versão mais condizente: Imperfeito II . “Que queres?” “Que me tomes por completa!” “Já não és mais nada! Já não mais existes! Podes me entender?” “Não, não posso! Que te fiz?” “Não fez! Nunca existiu!” “E que faço em tua fronte?!” “Perturbas-me! Somente isto! Pare de me atormentar, me seguir pelos cantos, que já não consigo mais vê-la em cada esquina!” “E me vês tanto assim?! Que nem mais consigo sair de casa se não em tua presença! Que minhas expectativas são encontrar-te aonde quer que eu vá! Que a Lua vem me escutando dia e noite!” “Contas tudo a todos! A cidade chora pelos teus arrependimentos! E, com tanta maquiagem, faz até parecê-los sinceros! Lua! Que Lua?! Que esta já não me visita há muito!” “E a noite deixou de aparecer por aqui?” “Desde você.” “Desde mim? Para que complicas tanto assim?” “Por que eu sou assim: complexo – por natureza.” “A complexidade pertence ao ser humano! E há de se gostar de s

Loucura

Falávamos de sonhos na noite escura. Falávamos de sonhos sem ter sonhado noite passada. Falávamos, despertos, de sonhos que sonhávamos ter. Falávamos nós dois, mas sozinhos em cada um. Falávamos de garotas, falávamos de nós mesmos. E do contentar-se com a companhia – de si próprio. E da insônia que se arrastava mais uma noite. E só não falávamos de tempo por que já havíamos o apostado. Falávamos de guerra, da loucura que vinha vindo, do vinho que se esgotou. Tudo para não pensar no tédio que nos assombrava. Dois garotos trancados no escuro. E de repente são três batidas na porta de madeira.