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Mostrando postagens de novembro, 2009

Turista

Pediu-me um cigarro, eu disse que não fumava; Pediu-me um gole, eu disse que era água; Pediu-me, então, um segundo e eu quase disse que não tinha relógio, mas era ser egoísta demais, então me sentei. Era um banco de madeira, que era para ser branco, mas descascado e imundo não fazia jus às pretensões dos cidadãos. Tudo bem, era só mais uma das inúmeras coisas que não seguiam o ritmo da metrópole: ele, o banco e ele, o turista. A impaciência estampada em meu rosto logo se desmanchou. Não por que as palavras dele me interessavam – mesmo por que até este momento ele não tinha dito nada – mas pela feição que ele ostentava e que despertou-me alguma curiosidade. Era mais um personagem fruto do cotidiano apressado que se instaura no labirinto de concreto, e aquele fruto, mais do que maduro, jazia ao pé da árvore que eu adoraria dizê-la frondosa, mas a julgar por seus produtos preferi interromper minha caracterização. "A vida pode ser estranha" foi como ele começou aquele diálogo.

Egocêntrica

ao som de Lovage - "To Catch a Thief" Saiu do banho e tomou outro. Dessa vez um de perfume. Vestiu o vestido que já estava quase empoeirado, por que passou a semana inteira sobre o sofá esperando por ela. E ela concorda que é uma grande sorte que as roupas não falem, ou pelo menos, que tenham a paciência que só elas possuem por que, de certo, ela não teria sossego ao abrir o armário, mas tudo bem. Colocou as meias de renda e se olhou no espelho. Perfeito! Subiu no Scarpin e desfilou para si mesma e quase desanimou de continuar: queria se despir! queria se usar! desejava a si mesma – e isso era bom, era sinal de que tudo sairia conforme o planejado – e então foi em frente. “Toalha posta, mesa arrumada, velas no lugar certo, música? Hmm... ok! bem baixinho...” a campainha toca e “Bem na hora! Acho que posso contratá-lo para esses favores mais vezes...” Apaga as luzes, destranca a porta da frente, se dirige para a cozinha e então para a porta dos fundos. Sai de casa e pa

As roupas no varal

-Parece que vai chuvê e num chove! -E nuvem dessa cor? Cê já viu? -Trem esquisito... -Escuta? Né bão tirá as ropa do varal não? -Sei não, viu? Patrão disse que precisa dessa camisa branca sequinha pra'manhã. Melhó dexá aí no chove-num-chove e tirá na hora da tempestade do que tomá uma bronca depois. -É memo... E onti? Cê chegô em casa direitin? -Cheguei mia fia! Mas óia pro'cê vê que já tava escuro quando eu pus os pés em casa. -E cê saiu daqui umas cinco hora, né? -Foi, com horário de verão, inda por cima. -Tempo esquisito, sô... -Estranho, né Doutor? -Tens razão... Tempo Estraño.

Desconhecido Íntimo

Te decorei por completa. Já te vejo em todo canto e em cada esquina que decido virar e não sei se sou eu a te seguir ou você quem me acompanha. E justifico meus atrasos por essa competição de ver-te até que se perca no horizonte, longe de mim quando o sol está se pondo. E ter-te sempre tão misteriosa, a significar coisas que eu nem compreendo, coincidências que eu nem desconfio e que projeto em cada um dos teus gestos um sinal mirabolante. Encara-me mas prorroga as palavras para manter o silêncio que me atiça. Ou finge que não me vê, mas copia meus gestos, deixando-me intrigado. E está sempre tão próxima mas tão distante de mim que já não penso em fazer mais nada além de te admirar no seu sempre, e talvez único, traje negro. Certa vez, meu fascínio compartilhei com um conhecido que disse nos ser um amigo em comum. Confessou encontrar-te também por todos os cantos e disse-me ser encantado contigo. Ah, pobre de nós apaixonados pela própria sombra !