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Mostrando postagens de setembro, 2010

À mostra

E se eu sou tão fechado assim, o que são, então, essas frases aqui dispostas, abertas para o mundo? Ah, sim, agora eu me lembro: exposição de fatos.

Exílio

Seu coração precipitou-se ao passar pela porta. Já não era o bêbado alegre do bar. Depois de horas na companhia das intermináveis doses de tudo o que tinha direito, conseguira descontrair-se e ensaiar um sorriso para os passantes que o encaravam com uma mistura de piedade e desprezo. Não adiantava enganar-se, estava murcho: no lugar do sorriso sustentava um peso na face, e no lugar do copo, as mãos vazias, que ilustravam o que ele pensava da vida àquela altura –  e era um homem de meia-idade ainda. Apoiou-se no umbral e encarou o cômodo à sua frente com uma mão sobre o estômago. Talvez o álcool não tivesse caído bem ou talvez ele já estivesse sóbrio o suficiente para encarar sua realidade. Havia alguns dias ele prorrogava o destino sabendo sê-lo inevitável. A angústia que havia se apoderado dele trazia consigo o silêncio perturbador. Já não era capaz de pronunciar palavras e sentia-se um vegetal. Tinha largado o emprego, as contas venceram e desfez-se do celular estridente arreme

Manifesto

Solúvel, no entanto íntegro: sou substância volátil. Sou o universo em flor, a se abrir e abrir e abrir - sou o abismo sem fundo. Veneno aos que se embriagam do comum e levitam, e se cercam, se têm seguros: sou a insegurança. A peça de teatro que nunca se repete, a peça que nunca sai de cartaz. Sou o improviso e o sorriso da plateia, provocado. Sou o manifesto: espontâneo da boca de um. Um, qualquer. Mas se sou linhas, versos, tenho lá minhas partes ilegíveis. Se chego a ser melodia, se chego a tocar seus ouvidos, sou um sopro mais demorado... Sou as reticências que seus olhos exclamam, o silêncio que permanece quando tudo mais se encerra.

Releituras

Ando revirando o passado; revirando os olhos. Ando por aí, pelas ruas, a me desculpar com o vento que passou por mim e nem o cumprimentei. Ando por aí, esses dias, dando bola demais aos vizinhos: acenando pra quem não me interessa, dando ouvidos em um excesso de simpatia... Ando com tempo demais. E hora que me falta, relógio que nunca se dispôs a fazer reverências, hoje me espera atravessar a avenida com os ponteiros a me acompanhar gentilmente. Dou esmola até. Não dinheiro que nunca tive, mas sorrio e digo um “boa tarde” que é pra ver se a sorte consegue acompanhar mesmo meu passo. E não é bom-humor por que este eu só reconheço quando já não estou são, mas é que, nas páginas amarelas a nostalgia se faz tão viva que, definitivamente, alegria é o que eu não tenho – mais.