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Mostrando postagens de fevereiro, 2010

Minha

Ela é minha. Toda ela, mas os cílios e as unhas que insistem em se descolar de seu corpo e se juntarem ao chão. Sem lei-de-três-segundos: a gravidade é ávida e egoísta, e eu também o sou. A minha posse é um desvairo. E ela é tão minha quanto qualquer outra. E que fossem todas! Que a vida fosse essa orgia que vivemos numa cegueira voluntária, entoando gritos de "amor livre" para justificar nossos atos que fazem pesar uma consciência de valores tradicionais. Ou que fossemos realmente desprendidos e o desapego nos guiasse: quantos dentes tem a chave que arromba teu segredo e adentra teu íntimo sem que possas intervir? Quem é aquele que depõe contra tua liberdade e te faz atonita? O mundo urge para os hedonistas e a cobiça desacerbada elimina preliminares. A miopia do êxtase não deixa espaço para os  detalhes e é o observador que sabe o que é refino. À estes estão resguardados o prazer; E é por isso que ela é minha.

Taças Trincadas

Sobrou vinho. O bastante para levá-lo de volta ao ápice da noite anterior. Até então a alegria existia e com mais dois goles poderia ser obtida. Era sempre essa dosagem: dois goles. Que com um se aproxima e no segundo vêm à tona. Porém, em pares de dose a garrafa ia se acabando. Sobrou vinho. Quase que planejado. O suficiente para embranquecer as lembranças. Quão frustrante seria saber que passara alguns quartos de hora a desvendar a madrugada passada? E para quê? Se não há memória, não há pesar. Emoções injustificadas devem ser afogadas. Guarde apenas as rolhas consigo.

Pontual

Quatro horas. E eu consulto, de minuto em minuto, o relógio em meu pulso. Olho nervoso ao redor. Procuro em cada canto e nem tenho disposição para pousar os olhos tranquilamente e apreciar os detalhes da paisagem. São carros que me cercam, que passam apressados se revezando no conceder da preferência, indiferentes à minha espera vagarosa. Mas espero. Não sei se ainda ansioso, mas de pernas bambas e coração acelerado. Crio hipóteses – será que fui abandonado, esquecido? – e enquanto persisto em minha sina sinto os fios de minha barba crescerem e as rugas se formarem e me deformarem. Já são cinco, quase seis, e o sol vai se arrastando num céu cor-de-rosa apoiado em flocos de algodão movidos pelo vento da tarde. Vento este que me arrepia, que sopra e me trás a rosa para colocar em seu cabelo. Se você chegar. Será que pelo menos a Lua aparece?

Interrompida

Chegou entoando a voz e a perdeu no meio do caminho. Rosas não lhe eram dadas todos os dias. E tinha mais: a chuva nunca esperava por ela para cair. Havia ainda o detalhe de a chave ter sido destroçada ao enfiá-la com muita força na fechadura e, enfim, ao adentrar seu lar, o caos do banheiro esquecido pelas manhãs e ignorado nas noites de extremo cansaço, ou seja, todas. Mas as rosas. Que o café era velho e a dispensa vazia o deixava amargo. Mas era bom que assim ela podia seguir o dia já desperta e atenta. E, além da chuva, o ônibus também. Largada para trás no ponto. Seja pela multidão que ocupou o lugar dela ou pelos minutos que ela se permitia a mais na cama sem ressentimentos – a curto prazo. As nuvens também não ajudavam. Por que tudo cinza? Ela tinha de se perguntar. E as questões só a assaltavam quando a viam só. Sem ninguém para perguntar e nenhuma pétala para bem-me-queres-mal-me-queres. Os passos estrondosos e um sorriso de cabeça para baixo. Quis chiar. E estava com a aparê