Ancestralidade Cósmica & Sanguínea

Há quatro anos atrás eu fui convidado para um jantar em que estaria um legítimo guru indiano. Ele não falava português, mas dominava bem o inglês, e foi a língua pela qual nos comunicamos durante toda a noite.

Logo que eu cheguei nossa amiga em comum nos apresentou e eu fui caloroso abraçá-lo, mas a primeira gentileza partiu dele: “ouvi falar muito bem de você e estava ansioso para conhecê-lo“. Lhe respondi que também já ouviram muito sobre ele e que estava animado para aquele encontro.

Sentados na mesa de jantar ele monopolizou a conversa, não por falta de educação ou egocentrismo, mas por parecer ávido por conversar com alguém que entendesse a língua dele. Não era o sânscrito, mas a espiritualidade em si. 

Claro, ele me testou primeiro, jogou algumas pegadinhas, passamos por alguns tópicos triviais, esse tipo de coisa que se faz quando se quer entender o contexto. É como molhar o pé primeiro para sentir a temperatura antes de entrar na água. E quando ele percebeu que podia trocar comigo de igual para igual, ele se abriu completamente. Segundo minha amiga, nunca o havia visto tão falante e tão à vontade. E eu mesmo me sentia também muito confortável

Até que, em um dado momento, ele pede licença, se levanta da mesa e vai para o quarto. E de lá volta com o papel, segurando-o com todo o cuidado do mundo, como se fosse uma preciosidade. E então eles estende o seu tesouro para mim. E é a sua sucessão Guru-Shisya, sua linhagem de Parampara. Nesse papel estavam registrados todos os grupos de sua tradição, com os seus nomes e fotos - dele incluso.

Ele começou me contando a história de sua admissão, de como a espiritualidade sempre foi importante para sua família, e de que ele ser um professor espiritual era o motivo de muita honra. Então ele me contou do seu guru direto. E de como era o seu Palácio na Índia. E de quantos outros grupos estavam sob a sua tutela. E de quais milagres ele já tinha realizado para ser reconhecido como é. E assim ele foi passando, de guru em guru, até chegar à fonte de sua tradição.

Eu fiquei maravilhado com toda aquela trajetória, com as várias histórias e, principalmente, com a tradição viva, com lastro, totalmente rastreado. Aquilo era transmissão de poder. E todos aqueles séculos de história estavam resumidos em uma única folha de papel que ele levava consigo para todos os lugares que visitava .

Ao fim da noite ele me ofereceu a iniciação em sua linhagem. E eu fiquei tentado em me aceitar aquele convite, mas uma voz dentro de mim disse “não“. Eu respondi que precisava pensar com carinho e daria resposta em outro momento.

Fui embora para casa completamente mexido. O que ele havia me mostrado era muito bonito, e eu me senti intimidado diante de toda a demonstração de sua história, como se a minha trajetória fosse inválida… E foi aí que o grande evento aconteceu: eu estava no templo, anotando os fatos do dia do meu diário, e meu Grande Mestre se aproximou. E ele me disse: “pare o que você está fazendo e busque uma folha de papel limpa”, e assim o fiz. E ele começou a ditar uma série de conceitos que explicava as diferenças entre uma tradição visível e uma invisível.


Esse texto foi publicado nesse blog em Abril de 2021, no seguinte link:

https://tempoestrano.blogspot.com/2021/04/tradicao-visivel-invisivel.html



Quando ele terminou de me ditar o texto (que eu adaptei, é claro), ele me disse que ele era um Ancestral Cósmico meu. Que o meu sangue não se ligava ao dele nessa minha vida por que ele já não habitava um corpo de carne há séculos. Mas que a Tradição a qual pertencíamos nos fazia familiares, e que esse elo era inquebrantável. 

Ele me disse ainda que os guias da linhagem do meu novo amigo também eram os ancestrais cósmicos dele, tanto quanto um sacerdote de candomblé o é para os seus filhos/iniciados. E que da mesma forma que há pessoas que não honram seus familiares de carne, também há espíritos que não honram as bençãos que lhes são transmitidas, e que esse era um grande desperdício de poder. 

Ele não se despediu, mas eu ainda fiquei ali no templo por mais de uma hora pensando em todos esses conceitos, e termos, e suas implicações.

Esse texto é a introdução do Páginas Abertas de outubro de 2025 que trata sobre ancestralidade. 

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