Fardo
de devaneio dominical & das frustrações de fazer “apoteose" inteligível oralmente.
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Fardo
Há textos que não cabem na leitura para terceiros.
Ainda que declamem-no com ardor e intenção; ainda que a voz
tenha a entoação adequada para perfurar qualquer obstáculo sonoro e fazer-se
triunfante em um ambiente; ainda que o intérprete consiga reunir a atenção de
seus expectadores e colecioná-la com uma satisfação fria, como fazem os poetas:
manipulando as palavras que os agradam e encaixando-as com destreza em uma
composição majestosa. Há frases indecifráveis
aos ouvidos, há palavras cuja voz é incapaz em proferi-las.
Um texto carrega rasuras, texturas, borrões! De café ou de
um vinho barato, que preenchem-no as lacunas e completam-no no contemplar. Um
texto e seu contexto: ilegível à língua. E que esta tateie, no escuro, à
vontade! Mas as entrelinhas escondem o essencial e há segredos que não se
revelam à luz de holofotes. Que só um abajur ao pé da cama ou uma luminária
improvisada serão capazes em restituir-lhe o real sentido.
O público pode deliciar-se com a atuação e todo o teatro
deste que declama. Mas, em meio a um mar de gente, há aqueles ansiosos, em uma
indignação justa, por sentirem-se assaltados! Estes compreendem que o que lhes
é exposto em uma prosa maquiada é apenas parte de um todo; que as peças não dão
conta de traduzir a obra, que se faz tão mais profunda do que uma leitura
excepcional; que, fracionado, o texto só carrega o deslumbre deste que vos lê,
só carrega a responsabilidade de gritar ao mundo aquilo que o tocou tão íntimo.
Para o leitor é um alívio. Quase como uma confissão em troca
de obter-se são, este compartilha suas sensações pensando fazer-se menos egoísta.
Se a intenção é o que vinga, perdoem portanto este elo entre vós e a liberdade,
inconsciente de estar usurpando da plateia a oportunidade do primeiro contato
direto, da apreciação sem expectativas ou interpretações precedentes. O roubo
do íntimo!
Se é pretensão ou apenas ingenuidade de querer ser lido pela
alma, ao menos o texto permite mostrar-se o bastante, em um estímulo sutil mas
eficiente, ao despertar a curiosidade destes ouvintes pacientes. E se os
grilhões que vos são expostos aqui passam a incomodar-vos realmente, a busca,
posterior, será insistente, pois trata-se de liberdade.
E se, para nada mais, além de seu próprio contentamento,
serve este intermédio que aqui se dispõe, tem, em último caso, a função de vos
instigar.
pagava pra ter visto essa cena!
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