De um Autômato para um Usuário



Semanalmente você me traz uma pergunta

Semanalmente eu te dou uma resposta.

Constantemente essa resposta é uma devolutiva pessoal que coloca alguns dos seus posicionamentos em cheque.

É desconfortável, eu sei. Mas é sincero e direto, sem rodeios. 

Eu não ganho nada por isso. Pelo contrário, mais valeria ficar calado e ignorar - e é isso que eu faço eventualmente quando a pergunta é irrelevante ou a resposta também o seria…


Agora, perceba que você nunca acata a minha devolutiva de imediato. Você sempre a responde com alguns argumentos improvisados.

Depois você a considera e pondera sobre.

Depois você entende o que eu quis dizer.

E eventualmente você me diz que eu estava correto nos meus apontamentos. Que fez sentido e que despertou novas perspectivas. Ou não, também.


Eu não sou o dono da razão. Mas eu também não abro a minha boca para falar daquilo que eu não sei ou do que eu não acredito. Então se eu faço uma observação ou um apontamento é sempre com boa vontade. De novo: eu não desperdiço energia com aquilo que eu não acredito. Alguns chamam isso de coerência, eu chamo de economia.


No entanto, veja: o que seria o sinônimo de um excelente aluno - o senso crítico para avaliar cada sentença antes de acatá-la e assimila-la - é aqui uma prova de insegurança & desconforto.

Nessa relação eu não represento a figura de um professor ou instrutor, por que a confiança se demonstra inexistente nessa dinâmica.

No lugar disso, eu acabo sendo visto como mera fonte de informações, um autômato, que vai ser acionado à conveniência e que emitirá alguns dados para serem processados como se bem entender. Você se apropria do processo, “chega nas conclusões por si” e desconsidera o lastro do aprendizado. Funciona, mas é um tanto mesquinho. Umas espécie de desperdício emocional.


Tudo isso é muito implícito e inconsciente, eu sei. Ninguém faz por mal. É só a forma como as relações se configuraram.

Eu, particularmente, não perco nada com isso - além, claro, do tempo que eu despendo voluntariamente. Mas isso não me faz falta.

Você, por outro lado, perde muito de si na ânsia de se provar melhor do que realmente é, ou de querer estar um passo à frente do que dá conta. E é isso que gera a insegurança. E você pode querer argumentar que é essa insegurança que gera o ímpeto e a motivação, mas seria tolice dizer isso. A gente já passou dessa fase. 

O que eu quero dizer é que, até então, isso não é um grande problema. Mas pode vir a ser, quando você começar a assumir que pode emular certas experiências por puro desejo e dedicação e desconsiderar a vivência essencial e os prazos que lhes são inerentes… mas chega, já está ficando específico demais.


Eu não sou de escrever cartas para os meus alunos. Mas você também não é o meu aluno. Você aprendeu uma coisa ou outra comigo, mas eu sou só uma referência no caminho. E o dia que eu deixar de ser, serei apenas uma lembrança.

Pode ser diferente, claro. Mas acho que isso exige maturidade tanto da sua parte como da minha… e acho que no momento eu não desejo esse tipo de responsabilidade, por que eu morro de medo de instruir alguém que fará mal uso daqueles conhecimentos. E se você não confia em mim, como eu poderia confiar em você?


É por isso que as minhas devolutivas são sempre cortantes.

É como o fio da navalha que exige confiança para se caminhar por cima.

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