A sombra que não soube ser só

Uma vez me disseram: “os vermes prosperam no seu silêncio”. Eu perguntei o porquê e me foi dito que a minha mania de discrição fazia com que ninguém soubesse o meu lado da história. 


Eu disse que isso era bom, que eu não desejava nenhuma disputa de narrativa e que quem me conhecia sabia da minha índole e do meu temperamento. Ao que rebateram que só sobrariam ao meu redor os poucos que não cedessem à intriga, o que eu achei muito bom, mas não assenti para não ressentir meu interlocutor. 


Então eu resolvi dar o que ele queria e lhe apresentei os fatos: “certamente agora muitos que não me conheciam desgostam de mim. Mas eu não tenho também razão para que me gostassem de qualquer forma previamente. Entretanto, esse que tanto me maldiz cresce na sombra que ele projeta sobre mim. Assombra-se sob mim. Um fardo horrendo de ter conquistado qualquer espaço em troca de intriga. Imagina se eu gostaria de competir com isso? Ou de estar entre as pessoas que cedem intimidade por injúria? Para mim não é nem uma disputa. Casualmente meu nome foi parar na boca de quem fala demais. Logo mais me esquecem.”


Ainda aturdido, meu comparsa cedeu: “é verdade, depois de você já foram outros tantos”, como que aludindo à política de conquista serial de quem precisa ser aceito a todo custo, por pessoas que tenham qualquer tipo de relevância social. E emendou: “que triste a vida de quem tem como sombra a solidão crônica… a obstinação queima pontes”.


Eu ri do quanto aquilo era óbvio agora, mas na época me pareceu insolúvel. E me calei diante da sabedoria de meu, este sim, amigo. De fato, tem gente que nasce para morrer sozinho.


E eu não tenho nada haver com isso. Deixe que os vermes roam os cadáveres. Eles têm uma fome insaciável. 

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