Da Família enquanto estrutura essencial

Acordo, de madrugada, assombrado pela transitoriedade da vida. 
Não tenho nada a temer, de fato. Minha vida está perfeita. Mas talvez aí resida o receio, de não conseguir manter as coisas como estão; ou de descobrir que há parte dessa estrutura que não esteja devidamente assentada. Que o que eu acredito que seja perfeito seja só uma ilusão momentânea, e que eu não estou enxergando todo o panorama. 
De fato, é isso que me espanta. Até ontem eu não percebia o quão importante é para mim algo que é corriqueiro como as reuniões de família. E, sem ter sofrido qualquer perda súbita que me levasse a repensar essa situação, agora temo justamente a dissolução de algo que eu sempre tive e nunca me dei conta. É absurdo pensar que os nossos valores se explicitem de tal maneira que passemos a observar nossa natureza interna com tanta fidelidade a ponto de descobrir as incoerências da nossa postura perante o mundo e, ainda assim, nos assustarmos com as nossas projeções e o que elas podem vir a ser se não as corrigirmos. 
Entende o que eu quero dizer? Olhar para si e perceber que pode perder o que se tem, mesmo que isso não esteja em risco, e temer por uma possibilidade futura que nunca teríamos nos atentado senão pelo relance de apreciar o momento presente com tal intensidade a ponto de examinar a natureza daquela sensação de conforto e desejar comungar dela com ainda mais profundidade?
Eu me quedo a examinar as pessoas ao meu redor, e vejo que o que eu tenho é raro. E vejo que é fácil que se desfaça. Que as tradições estão ruindo, e as pessoas se dispersando, e o mundo se desencantando, e que eu correria apuros num mundo tão frio e distante, por que eu já pareço frio e distante demais para conseguir estabelecer relações duradouras e recíprocas. Que eu tenho dificuldade em dar manutenção às amizades, que eu não mantenho contato e não comunico com regularidade o quanto eu gosto das pessoas e como elas são importantes para mim. E sofro com minha própria falta de proatividade, e vejo que os outros também sentem a minha falta, ainda que eu não consiga suprir as expectativas emocionais que não me são comunicadas explicitamente. 
Mas, agora, eu extenso essa preocupação para a família, por me dar conta de que a cola social são os ancestrais, uma geração anterior à minha. E que, se eu continuar me abstendo do convívio, seja por trabalho ou pelas distrações que se interpõem na vida e nos calendários, então talvez eu ceda mais do que apenas em um ou outro encontro pontual. 
E, hoje, de madrugada, essa perspectiva me pareceu terrível. De forma que eu nunca havia imaginado. 

Por isso eu me levantei, peguei o meu diário, e me pus a escrever. Para analisar a natureza do que a família representa para mim. Para examinar os meus valores e os meus planos de futuro. Para entender as raizes da minha ancestralidade e como eu venho me relacionando com elas, com essa extensão de mim que está viva e pulsa no mundo. 
Sei lá, de repente eu me tornei tão diferente do adolescente que fui. Parece que aprendi a apreciar sabores que me eram impalatáveis e descobri novas comidas favoritas. Que estraño. Mas que bom. 

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