Quando eu vim ao mundo
Eu sou o primeiro filho de um casal de primeiros filhos. Minha avó contava que quando eu nasci havia uma festa na sala de espera do hospital, lotado de familiares se embriagando para comemorar a minha chegada. Muito mais do que um primogênito, eu fui o símbolo de uma esperança, dado os acontecimentos recentes pelos quais minha família tinha passado.
Há alguns anos antes ocorreu um aciden
te. Um caminhão passou por cima do carro dos meus avós paternos. Eles morreram na hora. Minha tia, única mulher entre os 6 irmãos de meu pai, também. O caçula, Eduardo, teve traumatismo craniano e ficou em coma por quase um mês. Cinco irmãos órfãos que aprenderam a cuidar de si e a se reestabelecer como família, como puderam. A festa do casamento dos meus pais, que já estava marcada, foi cancelada pois não havia clima para nenhuma celebração. Nesses momentos que a vida se rompe, outros laços precisam se estreitar. Minha avó materna passou a ser também uma referência para esses meus tios, e uma nova família surgiu dali. Eu sou meio que o símbolo dessa união, essa chegada de uma nova geração que não conheceu a raiz dos traumas dos antepassados. E, olha só: além de filho único, por dez anos eu também fui o único dos primos. Meus tios só foram ter seus primeiros filhos depois de eu já estar na minha adolescência. O que, de fato, me faz ser um intermediário entre esses laços consanguíneos. E me faz pensar na minha capacidade de traduzir os sentimentos e de estabelecer novas perspectivas.
Agora, com o nascimento da minha filha, eu tenho um maior entendimento do que foram esses obstáculos, do que é a paternidade, de como realmente funcionam os relacionamentos familiares. O que é doação, investimento e realização. E o quanto esses símbolos que a gente projeta nos vindouros podem lhes marcar, tanto quanto eles nos marcam. Cá entre nós, eu me gabo de ter sido celebrado, e fico pensando se é isso que me fez ser tão chegado em confraternizações. Seja por isso ou não, acho que temos que celebrar. Celebrar a vida, os vindouros, e todas as passagens que encerram os eventos infelizes que nos acometem. Eles não vão deixar de acontecer, e nós precisamos perseverar, mas em algum momento a tempestade dá uma trégua e pode parecer bobo apontar o sol e festejar… mas talvez seja essa alegria que faz com que os raios desse sol sejam realmente marcantes. Viver: se não por isso, então para quê?
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