Legião


Existe esse mito da ancestralidade feminina coletiva em que a individualidade, no pós-morte, se dissolve para compor um grupo muito específico de seres, temidos e má afamados, dos quais não é de bom tom nem se falar sobre.


Essas feiticeiras encolerizadas são retratadas em muitas culturas, tanto na africana, como na helênica, bem como em outras passagens menos famosas da história. 


Em verdade, há agrupamentos também de espíritos exclusivamente masculinos e a tradição nos conta de como o seu manejo exige cautela e condições bastante específicas. 


Essas premissas nos apontam aqui como a questão do gênero pode ser importante na definição identitária do ser e nas suas escolhas ou tendência após o desencarne. 


A consciência que se vê absorvida nesse grupo está tão entrelaçada em apego, ira e vingança que renuncia à sua própria história pessoal para assumir os valores do coletivo e escapar da roda de reencarnação. 


Assim, sendo parte de um todo, ela deixa de ser o que foi - e tampouco é, senão uma parte. Um fragmento. Com grande possibilidade de atuação sobre os planos e executando os seus desejos com maestria, mas ainda assim, uma aberração, que só encontra vida nas sombras das engrenagens do sistema cósmico. 


Quer dizer, o ser, imerso em suas próprias sombras, escapa de encontrar-se e de encarar o real. Uma fuga tão profunda de si que quase se torna indetectável - até que a luz da misericórdia divina venha despertá-lo. 


Essa ancestralidade tóxica, que cada vez encontra mais adeptos e lugar nos cultos da pós-modernidade, é sintomática. Ela evidencia que os praticantes contemporâneos se sentem inclinados a associarem-se com seres que representam suas próprias sombras do que se submeterem ao processo de autoanálise e de reforma de si.


Esse culto egóico é frágil e, justamente, expõe as lacunas da formação psíquica e espiritual dessas pessoas que se encantam com o oculto, chamam a si mesmas ocultistas, mas não passam de marionetes de suas próprias sombras, agora animadas por aquilo que convocaram deliberadamente, num delírio de poder pessoal. 


Um verdadeiro teatro das sombras, que a ninguém entretém - nem aos fantoches, que vão se extenuando e se enredando cada vez mais, sem entender o que há de errado; nem aos titeriteiros, que em sua insatisfação crônica só perpetuam seus atos pela natureza de sua frustração e nunca se satisfazem em nada; e nem aos que têm olhos para ver, por enxergarem a tragédia que ali se perpetua e sentirem o amargor da situação. 


Mas, enfim, essa ancestralidade tóxica é o resultado da história da humanidade, da forma como viemos conduzindo nossas relações até aqui, dos nossos valores, posturas e da nossa vivência do sagrado. Essas abominações nada mais são do que retratos de quem nós somos. Talvez por isso sejam inomináveis. Talvez por isso incomodem tanto apenas de serem citadas. Talvez nós também devamos algo a elas. 


Que com o devido respeito esses seres possam reencontrar a sua paz. 

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