A Emancipação do Indivíduo como ferramenta para a Atuação Social
Em 2020 estamos vivendo a história.
Não que não o estejamos sempre, mas esse ano ficará marcado nas décadas posteriores para além dos momentos fugidios desse nosso tempo cada vez mais atroz.
Um ano muito difícil e cheio de desafios em todas as esferas coletivas: fomos confrontados no âmbito da saúde, da economia, das políticas sociais, em nossos hábitos mais corriqueiros e, sobretudo, existencialmente.
Todas essas adversidades nos propõem discussões e perspectivas diferentes acerca de nós mesmos e do mundo que nos cerca, de nossas posturas e de nossas narrativas, nos dando espaço para expandir nossa consciência e abranger outras possibilidades.
Ao mesmo tempo, parece também que temos cada vez mais espaço para nos isolarmos do pacto da realidade consensual e nos cercar de informações convenientes que endossam nossas sombras mais profundas e sustentam uma ilusão de pertencimento, alimentando nossas certezas absolutas. O fanatismo vende bem. Quem está certo de si compra o produto da certeza, apoia a imagem da certeza, defende os absurdos da certeza.
Mas, bem, à parte da alienação voluntária que se apresenta como uma oportunidade diária, nós também precisamos separar a vida coletiva e os acontecimentos que abrangem a todos da nossa individualidade e daquilo que diz respeito somente a nós mesmos.
Nos meandros das décadas passadas o modelo de negócios das corporações tinha uma política implícita bem famosa que era o de separar a vida pessoal do trabalho e de não deixar que os problemas que se tinha fora da empresa afetassem a produtividade do funcionário. Esse pensamento ainda norteia a maioria dos negócios retrógrados mundo afora, mas cada vez mais pessoas vão se dando conta de que funcionário infeliz e cheio de problemas produz ainda menos porque precisa fazer malabarismos com as suas insatisfações.
Dito tudo isso, entendemos que a coletividade impacta diretamente na nossa vida pessoal sim, e que precisamos encarar os fatos tais como eles são e não mascará-lós com informações desencontradas e descrença seletiva. Mas também não podemos nos deixar abater por eles ou mensurar a nossa satisfação pessoal pelo termômetro da sociedade, sob pena de tomarmos os problemas do mundo como nossos e nos encarregarmos de salvar a humanidade. Tanto a negação e omissão quanto a sobrecarga de responsabilidades nos impedem de lidar com o essencial e assimilar as experiências que o macrocosmo nos propicia.
No final das contas, nos formamos e somos quem somos a partir dessas experiências, da forma como lidamos com elas, de como reagimos e erigimos nossas referências mentais, emocionais e existenciais. E aí, sim, precisamos dizer que uma eficiente administração do nosso Ser nos traz satisfação e contentamento, mesmo a despeito do caos do mundo. É quando o paradoxo se concilia: mesmo na interdependência há autonomia das partes, e a sinergia de um sistema só ocorre quando as partes estão todas em seus devidos lugares. Dessa forma, é ingenuidade pensarmos que o meio se autorregula e que só a partir de então poderemos nós mesmos nos sentir menos afoitos e preocupados. Em verdade é o contrário: é mister que separemos as esferas coletivas e individuais, celebremos a vida com langor delicioso e contagiante e, a partir daí, atuemos sobre o todo pela via do forte.
Esse artigo não é, de forma alguma, uma apologia ao escapismo, mas sim o seu oposto, uma argumentação à conquista da autonomia do indivíduo como um pré-requisito para a eficiência de suas ações no e para com o mundo. Todos somos responsáveis e precisamos primeiro nos tornar aptos para só então lidar com os nossos deveres, pessoais e sociais.
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