Restrição
Imagine um dia tranquilo. Céu azul, solzão, você andando na rua distraído, curtindo o clima e a caminhada.
De repente você passa na frente de uma casa e tem um desses cachorros histéricos que não param de latir para qualquer um que passa por ali. Se não houvesse grade o cachorro avançaria em você, tal a agressividade do animal.
Você passa e a casa fica para trás. Mas alguma coisa mudou. Mesmo protegido você tomou um susto e foi arrancado de sua languidez. Pode ser que seu estado de espírito tranquilo e distraído demore um pouco para ser recuperado. E também ficou uma memória daquela casa, daquela situação desagradável.
Bem, têm pessoas que são casas com cachorros histéricos a latir dia e noite. Elas podem estar em silêncio, mas o seu íntimo grita e projeta em quem lhe cerca - ou mesmo em quem só esteja de passagem - todo o seu descontentamento, seja com as grades, seja com a ração, seja com sua própria carência.
O que precisa ser percebido aqui é que a linguagem do animal é quase que ininteligível. São os instintos e os seus ruídos que se precipitam. E por mal poderem ser entendidos, tornam-se apenas o estorvo que é: uma projeção agressiva de um incômodo latente.
Veja que o cachorro, por si, não tem consciência de ser um incômodo. Pelo contrário, talvez ele só tenha certa percepção de estar incomodado. Ou talvez nem isso. Talvez ele sinta o incômodo, mas nem o perceba. Infelizmente é mais comum do que imaginamos.
O ponto aqui é: o cachorro faz parte do ecossistema da casa. A casa faz parte da rua. A rua, do bairro e assim seguimos... É bonito pensar que alguma ajuda externa poderia sanar o problema. Existe esse sonho meio ingênuo, meio romântico da pessoa que vai se atrever a colocar a mão nas grades e persistentemente vai tentar conquistar a confiança e a amizade do animal. Aquela figura arquetípica da pessoa amiga-da-vizinhança que carrega consigo um saco de miolo de pão para distribuir por aí... Essas pessoas até existem. Mas, de fato, elas não podem fazer muito se o problema é sistêmico. Se é o dono da casa o agressivo, ou se falta ração, ou se o espaço é muito pequeno e ninguém se digna a levar o cachorro para passear, socializar, distrair, enfim.
Tudo isso é uma metáfora, mas ninguém duvida que o cachorro, descontente, queria mesmo era estar na rua, debaixo do céu azul, passeando distraído e tranquilo. Não digo que não precisamos de grades, só não podemos passar a vida por detrás delas.
Como você tem lidado com as suas projeções?
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