Das Posturas
Aos 16 anos de idade eu treinava artes marciais. O treino começava às 19:00 horas em ponto e se você chegasse atrasado você tinha que dar 50 voltas correndo em torno do tatame. Meu pai quem me levava, eu sempre chegava atrasado, o mestre sempre cobrava da gente essa disciplina , então duas vezes por semana eu corria e corria e corria, até cansar. O que estava em jogo não era a vaidade do mestre, a pontualidade para com a aula dele, mas sim o compromisso com aquilo pelo qual ele devia zelar. Aquela Arte era o sagrado, e como seu representante, a ele cabia o papel de nos cobrar essa percepção do mundo. O mestre sempre foi perfeito em sua postura.
Hoje, aos 26, eu trabalho num templo. O horário é o mesmo, 19:00 horas em ponto, mas eu já não dependo de ninguém para me locomover. Independente de qualquer imprevisto, às 19:00 horas a mestra está na sala, no templo. Mas ela não quer saber se você chegou 18:00 ou 20:00, não há nenhuma cobrança, advertência ou punição, nenhuma palavra é proferida. O compromisso continua sendo o mesmo, o ambiente é tão sagrado quanto, mas cada um administra os seus horários e a forma como encara suas obrigações. É claro que uma pessoa que não tem uma postura condizente com o ambiente mais cedo ou mais tarde é afastada, mas não há qualquer preocupação em controlar diretamente a disciplina dos adeptos. A mestra é perfeita em sua postura.
A diferença entre a mão esquerda e a mão direita está na rigidez e na complacência. Uma orienta o discípulo a enxergar o que precisa ser trabalhado e lhe faz encarar de frente os seus erros até que ele seja apto a administrar a si mesmo. A disciplina é cobrada a cada passo e o sucesso só vem por meio do esforço contínuo.
A outra exige a mesma disciplina e o mesmo esforço, mas a cobrança é implícita e sutil. O indivíduo tem uma maior ilusão de liberdade, mas ele precisa ser perspicaz e auto-centrado, pois parte-se do princípio que o adepto é passível de gerir-se e de lidar com suas obrigações. E se a incapacidade é atestada ele simplesmente deixa de integrar a tradição.
Ambos os sistemas se complementam e são interdependentes, de tal maneira que é preciso equilibrar confiança e disciplina na busca da qualidade do compromisso. O mesmo se dá no caminho solitário em que os mestres são as circunstâncias da vida e o discípulo inapto alterna entre inércia e aprendizados dolorosos até ser capaz de gerir a sua vida de maneira aceitável. E é somente com alguma dedicação que é possível qualquer progresso e isso se faz nítido e lógico ao passo que se adquire maturidade.
Imprevisto e acaso são como o profano nomeia sua miopia, são termos para amenizar a incompetência que sua própria consciência tenta lhe fazer ver. Mas assim é o caminho, e ele é perfeito em sua postura.
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