Das Serpentes que nos Conduzem por Florestas e das Noites Escuras da Alma
Esses dias sonhei com um irmão meu. Mas eu sou filho único e tenho esse péssimo hábito de levar palavras ao pé da letra, valores muito a sério e ser firme quando os outros não são. Síndrome de Saturno. Assim me fiz homem e se me explico demais é para ser um pouco menos sisudo do que meus atos parecem ser.
Entretanto, poesia. E o coração dos poetas ama desmedido, quiçá seja essa a dor de mensurar. Bendito é o inefável e assim permanece Absoluto. E eu, mero mortal, contemplo o amor e rio das condições em que nos colocamos por insegurança e insensatez. A ignorância é mesmo a causa do sofrimento.
Neste sonho uma naja conduz-me pela floresta por caminhos obscuros até uma clareira de onde surge este estupefato amigo, alegre por reencontrar-me e poder me abraçar. Eu, paralisado, sinto em seus braços o aperto da própria serpente, numa conciliação mais que repentina e que me sufoca, embora haja amor. Recíproco. Em desespero, só o que eu quero é fugir e só o que eu faço é chorar, como um menino traído no enlace de um adulto que quer calá-lo, como um soluço que não se torna frase alguma e cala entalada.
Acordo com a garganta seca e a ferida aberta e ainda penso no alívio agridoce que sinto, no abraço que exala frustração e arrependimento, mas que não diz nada com a própria boca. Algo de covardia, de receio de rejeição... Acordo pensando que esse não é um pesadelo, eu não tenho pesadelos. Esse é um daqueles sonhos cristalinos que nos espelham a alma e nos confrontam num apelo direto a rever o que somos, o que fazemos, o que sentimos. Eu sei o que é, mesmo assim o sonho insiste.
Acordo, tomo uma água e anoto o sonho. Depois internalizo e escrevo o texto. Este texto, uma missiva vaga de entrelinhas estreitas, ilegíveis ao insensível. O coração que não sangra não lê um ponto onde não tem. E talvez seja esse o problema do invisível: há quem queira ver tanto que acaba por enxergar o que quer. Por isso é problemático lançar luz sobre fatos: se por um lado iluminamos os detalhes, por outro projetamos sombras. Uns enxergam um convite, outros um insulto. E eu conservo o silêncio pois não é de meu feitio falar demais.
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