Etiqueta Social
Eis que eu escuto um som desarmônico vindo pela viela e identifico um rapaz munido de seus alto-falantes portáteis, vestido com roupas humildes e ostentando um porte agressivo, indiferente a tudo e todos. De passadas rápidas conduzia sua música marginalizada em seu trajeto para casa, uma possível exaltação da liberdade depois de um dia exaustivo num típico sub-emprego da metrópole.
Dos transeuntes, alguns procuravam a origem da inquietação sonora, outros, já acostumados àquela realidade, resumiam-se em seu silêncio polido, embora fosse gritante aquela inquisição sutil que acompanhava o rapaz. Eu que percebi-me julgando-o pela música que me invadiu, logo invalidei minhas impressões e olhei mais a fundo: a música era uma forma de se transitar em segurança por aquelas paisagens.
O moço, é claro, não corria nenhum perigo de violência física - exceto, talvez, de algum policial que ele pudesse vir a encontrar -, mas a cultura lhe violentava. As imposições sociais exigiam que ele fosse invisível, silencioso, humilde. Era quase preciso assumir outra identidade para frequentar aquele lugar, 2 horas distante de casa, e era essa a tensão que ele sentia e revidava. A música ali era um escudo sonoro, algo que, sim, reafirmava sua origem e evidência, mas que justamente por destacá-lo lhe outorgava sua identidade e alguma segurança em ser o que é.
Quando eu percebi a situação passei a ter simpatia pelo rapaz e entendi a necessidade da resistência e o quanto um ambiente pode ser nocivo àqueles dotados dum sentimento de não-pertencimento. O funk como novo punk. A contracultura se reinventando, adaptada à sobrevivência do indivíduo no mundo-concreto.
O rapaz foi embora, levando sua aura sonora, e eu permaneci em meu silêncio, mais adaptado ao ambiente, a pensar nas restrições que quem não sente, nem vê.
Comentários
Postar um comentário
Comentários?