Quem


Eu invejo Joyce. Ele diz encontrar interesse em toda e qualquer interação com outro ser humano. É de uma humildade sublime e de uma empatia transcendental. Eu até consigo entender e, por vezes, me aproximar desse estado de espírito de considerar toda e qualquer coisa uma emanação do próprio Deus e, portanto, tudo extremamente interessante. Entretanto, não é assim que eu vivo cotidianamente.
Quem me dera ser menos rigoroso e talvez eu agradasse mais aos demais. Talvez até a mim mesmo, embora eu valorize a disciplina e a responsabilize pelo meu desenvolvimento constante. Mas eu sinto que é possível uma disciplina natural, espontânea, um desenvolvimento sereno que implique num ritmo tão confortável do qual não se precise de qualquer cobrança para se estar em dia consigo.
Eu tenho sido austero e engajado de forma a não permitir que qualquer distração ultrapasse os limites do meu objetivo e eu acho que é assim que tem que ser. Pelo menos por enquanto.
A seriedade da qual me vesti implicou em desfazer-me da relativização e da tolerância àquilo que se punha em meu caminho, como um príncipe inspirado por Maquiavel a determinar de forma clara quem são seus aliados e o que é resto. É engraçado pensar que a caminho da dissolução da dualidade eu tenha de me valer tanto dela, mas como eu já havia dito por aqui, numa confidencia sussurrada:

"Aparto-me de quem ainda não Sou por necessidade de solidão."

Tudo o que não suscita o melhor de mim é vão. Todo aquele que não me exige é pouco e eu já passei tempo demais na mediocridade para me voluntariar a ser pequeno novamente. Eu ainda não sou capaz de conviver harmonicamente com a preguiça dos outros, embora reconheça esta imperfeição minha, de como sou espaçoso e exigente ou de como julgo o que o desenvolvimento destes deveria ser, ainda que a apatia esteja explícita em suas atitudes.
Eu gosto da metáfora de LUX & NOX. Faz-se preciso conquistar a própria Luz e expandir-se em microcosmo antes de se aventurar pela Noite Eterna do macro ou pretender cessar o Samsara alheio. Esta minha solidão é uma imersão em LUX, minha jornada pessoal rumo a mim mesmo, mas eu não imaginava a dimensão do abismo que me separaria do que eu era e da latência daquilo que permaneceu. Mesmo que dotado de toda a empatia do mundo, eu nunca poderei encarar a vida com os mesmos olhos de antes.
Talvez a perspectiva de Joyce não seja exatamente compassiva, mas sim contemplativa, e isso muda tudo. Sua ausência de julgamento é espiritual e não apenas a mera disciplina da mente, uma reprogramação qualquer automática e rasa. Poder-se-ia dizer portanto que ele se comunica com o que há de Maior nos outros e com a naturalidade de não assustar estes anônimos, que não sabem quem são e não tiveram a oportunidade de investigarem a si mesmos. Elevado a este ponto de vista o interesse genuíno é plausível e justificado. O mais notável é que a partir de então uma nova concepção estética é acessada e passa-se a independer da cultura vigente para qualquer consideração, ou seja, um novo grau de autonomia é alcançado: as pessoas são o que são por sua própria conta e não em relação ao que elas possuem em concomitância com o modus operandi. É esta anulação de pré-conceitos e a constatação da realidade num nível muito mais puro e predecessor a essa projeção material que nos permite alcançar estados de graça e êxtases [quase] permanentes como no caso de Joyce.
Encarar-nos visceralmente como Unidade e não apenas o fazê-lo através de conceitos. É ser a Estrela que Crowley nos proclama, o Ubermensch nietzscheano, a imagem fiel ao espelho d'alma, o pensamento legendado em Ourano Barbárico, a corporificação do Tao, o Zen elevado a si, o Círculo já sem Ponto no meio, ágape absoluto. Voltar-se a si mesmo e reconhecer-se Nós. Eis o interesse inédito.

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