O Décimo Terceiro Ovo
De repente aquela súbita vontade de
comer omelete. Dez horas da manhã e eu nunca gostei dos americanos, mas hoje é
um dia à parte. E quando abro a geladeira para pegar os ovos noto a bizarrice: um
deles brilha.
Nada muito chamativo ou
fosforescente, mas era um ovo nitidamente diferente dos demais, um pecado. Pego
o ovo com cautela pensando poder estar podre, e qual a minha surpresa também
com seu peso estranho. Que ovo pesado! E apesar de tudo, não tinha qualquer
cheiro diferente dos outros.
Fico pensando se ele não é de outra
granja, se a Paula, minha esposa, não quis fazer uma gracinha e comprou alguns
produtos mais finos para alguma receita especial ou algo do tipo. Descarto a
hipótese, é a Dona Júlia, nossa secretária, quem vem fazendo as compras
alimentícias e ela não gosta de coisas caras, quem dirá ovo chique.
- Alô, Dona Júlia?
- Ô Seu Luiz! Tava mesmo pensando
no senhor. O trânsito agarrou aqui, ônibus cheio, mas eu já tô chegando, viu?
- Sem problemas. Mas me conta uma
coisa, Dona Júlia, você quem comprou os ovos essa semana?
- Foi sim, quê que houve?
- Tem um ovo esquisito aqui, pesado
que só ele.
- Ah, Seu Luiz! Esse ovo aí foi o
Dom André quem mandou pro senhor!
- O Dré?
- Vixi, a Paula não te avisou?! Dom
André trouxe esse ovo aí ontem e pediu para te entregar, que era para te dar em
mãos e que não era para colocar na geladeira! Será que estragou?
- Não tá fedendo não...
- Ô, Paula tava no telefone, nem me
ouviu falar. Eu já to chegando aí, Seu Luiz!
- Até logo, Dona Júlia.
Peguei o ovo, presente de Dom
André, e tirei-o da geladeira e pus-me a olhá-lo. Já havia perdido o apetite
tanto era a minha intriga. Que seria aquele objeto? Já duvidava ser de comer,
duvidava de suas utilidades, mas estava abismado com a coisa.
Dona Júlia chegou e lá estava eu
empoleirado, encucado com o ovo.
- Ê, e aí, Seu Luiz? Quê que esse
ovo tem?
- O que ele tem eu não sei, mas que
é pesado é...
- Dá aqui – e tirou da minha mão o
ovo que eu tratava com tanto cuidado e sacudiu-o bem, deixando-me indignado!
- Cuidado Dona Júlia!
- Seu Luiz, isso aqui tem que ir
pro sol!
- Para o sol?! Por quê?!
- Por que não era para ir pra geladeira.
Já que foi, vão levar pro sol.
Dito e feito. Foi Dona Júlia
colocar o ovo no sol que sua coloração começou a vivificar e ele foi ficando
mais bonito. De fato eu pensei que a qualquer hora o ovo ia chocar e ia sair um
pássaro dali, mas ele só se tornou muito dourado, reluzente até.
Eu e Dona Júlia estávamos num
silêncio mortal, fascinados com a transformação do objeto e ela me jurando de
pé junto que quando Dom André entregou aquele ovo no dia anterior ele não
parecia mais do que um ovo comum.
- E agora, Dona Júlia?
- E agora o quê? Você tem um ovo
dourado, Seu Luiz. Quer mais?
- Mas é só isso?
- Uai, falta a galinha.
- Quê que eu faço?
- Seu Luiz, só quebrando...
- Mas e se eu o quebrar e não
acontecer nada?
- Aí você perdeu seu presente. Mas,
ó, Dom André disse que você ia saber o que fazer com isso.
Saiu uma Dona Júlia com cara de
charada resolvida e eu fiquei ali, embasbacado com a situação. Mas, como a
vontade do omelete, subitamente tudo fez sentido: O que mais poderia haver num Ovo de Ouro?! E quem melhor do que Dom
André para me presentear assim?!
A resposta era muito clara. Peguei
um copo, rindo do aviso de não poder colocar o ovo na geladeira e me lembrando
de como ele ficou vívido e bonito quando voltou à sua temperatura ambiente.
Genial, Dré. Era CLARO que dentro de um Ovo de Ouro só podia ter UÍSQUE!
Bebi um gole e era dos melhores. Dom
André sempre se lembrava das nossas conversas embriagadas, essa charada nós já
tínhamos matado há muito tempo, numa dessas noites loucas da vida. Que bebida
fascinante, eu tinha ganhado o meu dia ali!
Agora, a Paula vai pagar por ter
colocado meu Ovo na geladeira. Ah, isso vai.
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