Sugestivo

Carlos havia se cansado da timidez. Eram companheiros, ele bem sabia, e honrava a dádiva da invisibilidade como podia, mas quando viu-se passar desapercebido até pelos seus próprios pais, viu o fardo que carregava.
Era um garoto bastante observador e não ser notado nos ambientes era um benefício, porém ele estava certo de que não queria ser uma sombra pelo resto da vida. O voyeurismo até tinha suas vantagens, mas Carlos buscava interação, algo mais dinâmico. E foi pensando em como poderia socializar-se mais facilmente que encontrou uma solução bem-humorada: incluiria o mundo que o cercava num jogo de esconde-esconde.
A decisão de Carlos não o fez mais perceptível, mas estimulou-o a lidar com as pessoas que só o notavam tardiamente no mesmo local que elas. Por vezes, ele já dividia o ambiente com alguém há horas e só então vinha o susto de estarem em sua presença: “Ó! Você está aí?!”.
A surpresa das pessoas o divertia e ele imaginava como elas podiam se distrair tão facilmente ao ponto de não o notarem de nenhum jeito. Havia quem entrasse e saísse de uma sala sem sequer vê-lo e estes ele tomava por perdedores. Quanto aos outros, os que se davam conta do garoto, considerava-os bons jogadores e respondia comicamente às suas interjeições: “Não há nada que se possa fazer, eu sou onipresente!”.
Dessa forma, Carlos, apesar de desapercebido, já era figura notável e comentada entre os frequentadores de bibliotecas, cafés, lojas e outros ambientes em que os olhos pudessem pregar peças e fazer estes truques de ilusões de ótica que são as distrações em geral. O garoto ganhou um tom desinibido e passava a expressar sua irreverência, sem se preocupar com sua timidez. Enfim, já não havia espaços para ser anônimo.

Foi em um belo dia, no entanto, desses em que as ironias se confundem com convicções, que Carlos acordou um tanto estranho. Alegava sentir-se em muitos lugares ao mesmo tempo.

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