Opaco
O vidro da
janela está extremamente sujo, mas ele só se dá conta disso quando interrompe seus
pensamentos, olhando além do que há para ser visto em busca de inspiração. O
horizonte turvo, mas pela névoa que impede o tato de seus olhos.
Não há muito
para ser visto ali, mas a sensação de poder ter contato com o exterior é o
suficiente para que ele elabore suas ideias em seu cubículo cotidiano. Ele não
reclama da vida. Exceto quando não encontra ideias. Ele vive de ideias e
precisa comercializá-las para continuar o seu trabalho, então ele acha chato
quando se depara com essa situação de abstração, mas é apenas pelo fato de
perder um pouco de seu tempo tentando reconstituir um estado de espírito que
ele chama vulgarmente de criatividade.
Ele não é
criativo de fato. E ele também não se sente mal por sua inação que marca os
ápices de sua vida. Ele nem liga de referir-se à sua vida no singular, sendo
constante demais em tudo para poder vivenciar outros túneis de realidade.
Resume-se naquela criatividade
trivial, da qual vangloria a conquista pelo hábito continuo de exercer sua
imundice.
Ele não é
desonesto, ou fanático, ou mesmo preconceituoso. Ele não foge do padrão do
cidadão comum que acha que cumpre seu papel de responsabilidade social. Ele não
cumpre.
O vidro da
janela está extremamente sujo, e ele só o viu por que estava desperto. Às vezes
essas epifanias ilustram a verdadeira criatividade, mas não nos damos conta
disso. Confundimos com prorrogação ou incompetência da moça da limpeza.
O vidro
sempre guarda um reflexo da gente, especialmente quando nos sentamos diante
dele todos os dias.
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