De mãos vazias
Já era tarde quando ela me recebeu. Um quarto vazio numa
noite gélida.
Tudo bem convencional. Algo como estes reencontros casuais
que soam naturais e confortáveis, até nos depararmos com nossa condição atual e
rememorarmos os fatos recentes. Crises existenciais inconstantes, que brotam-se
abruptas e trazem consigo uma baderna mental.
Vivi de visitas inesperadas ao longo desses últimos meses e
mesmo minha cama me estranharia, murcha, se recebesse meu corpo encolhido nesta
madrugada. Mas cama era artigo de luxo desde então.
Eu, estrangeiro, em busca de refúgio: aquele que no regresso
ao real acredita poder transgredir o tempo em que se ausentou. Não. Lar era
naquele quando. Expirou-se.
E poderiam chamar-me asceta, não fosse pela quantidade de álcool
em meu sangue e a trajetória tortuosa que os dias vinham tomando. Recordações
vagas que prefiro deixar do lado de fora, da porta para a rua. Eis que a sorte
me sorri dentro em tanto tempo, convidativa... Pois que meu semblante seja
hermético e que eu me porte exemplar! Não quero transparecer minha inadequação
diante de quem me toma como convidado honorário.
Sentados no sofá iniciávamos uma conversa tímida que não
engrenava pela minha atenção difusa. Inseguro de mim e atordoado com a situação
eu me sentia podado por um pudor excessivo e, por isso, quase nem fico.
Mas confesso, sob doses extras, sobre: o estímulo à
armadilha, o convite que nos constrange a recusa por sabê-lo exclusivo. O
anfitrião que anima seus hóspedes com o vício que os parasita. Vício explícito
na face e compartilhado, brindado numa comemoração, como consolo do mal que
ostentam indecorosamente, mesmo no lar alheio. Qual oferta ultrapassa a de um
aperitivo?! Foi quando eu me rendi à situação e deixei-me devorar por devaneios.
Aí sou réu, já criminado, num castigo aplicado por uma
nostalgia sádica.
Quanto tenho a dizer? E quanto me custará? As palavras que
arranham a garganta podem vir a cerrar minhas cordas vocais? Cerrar esta boca
no túmulo que é?
Mas debatem-se verbos, inquietos diante da moça, numa
súplica por um memorial digno, como se fosse esta a data de serem homenageados.
Ah! Que faço eu com meus lábios presópopos?! Que encerram suas vontades, já
distintas das minhas, e pronunciam a língua do alívio. Chamem-na liberdade de
expressão, ou como bem o queiram: já não há mais muito a ser dito.
O monólogo silencioso perdura enquanto encaramo-nos,
estranhamo-nos... Pois velhos conhecidos tornam-se tão antigos que o adjetivo
acaba por deteriorar o substantivo, ou mesmo a relação. Talvez seja por isso
que as palavras também lhe faltem.
E aqui jaz a comunicação linear, por frases de efeito
ineficazes, a voz mansa falha, refrãos que não suscitam qualquer entonação
altiva, medidas insuficientes que a levam à mudez. E eu ao constrangimento.
Sou apenas um tolo embriagado, posto na fralda da noite,
cheio de perguntas e com receio das respostas.
Eu, que adio meus motivos, e não mais hóspede indesejado ou
visita inesperada, mas um convidado ilustre da sincronicidade. E agora? Como
começo uma frase?
Parece-me inevitável
que conclusões sejam bruscas: as situações tomam rumos inimagináveis quando o
silêncio perdura demasiado.
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