Véspera
Você sorri.
Diz que o ano
que vem vai ser bonito. Diz que vai ser bonito como o meu sorriso, e eu nem
estou sorrindo. Diz que belas palavras selam compromissos e que você pode
lê-las em meus lábios, mas eu estou calado. Diz que meus olhos te encantam, e eu
os mantenho cerrados.
Estamos nus,
deitados numa cama, deliciando o escuro, e eu estou refletindo: ou se intimida
ou se intimida.
O escuro é
assim: diante dele, ou estreitamos laços num ímpeto decisivo que nos põe à
parte de quem somos, e aí há intimidade; ou os afrouxamos e nos esgueiramos por
paredes, encurralados pela fatalidade que criamos no outro, e aí a timidez.
Eu, que levo
metas a sério, já não me encosto em canto algum. Mas ai de mim que prometi ser
mais paciente, quando disfarçava minha intolerância de introspecção. E eis que
me disponho a compartilhar-me, ainda que inseguro destas decisões abruptas que
me são cobradas pelo reflexo de minh’alma.
E nem preciso
de luz para encantar-me com sua silhueta quando abro meus olhos. Ensaio algumas
palavras que vão terminar num sorriso. Pois bem, é desnecessário mais do que
isso.
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