De verão

Tinha uma flor nos cabelos e as roupas imundas.
Era verão e isto justificava tudo: o vestido leve, a alegria presente no cotidiano, as brincadeiras e a correria das crianças.
As nuvens se apresentavam como zoológico e a grama como berço para a imaginação: que se deitava ali e passava as tardes a observar o céu e sentir a brisa apalpar-lhe o corpo. E se perdia em pensamentos que quase se esquecia de olhar de hora em hora os meninos: serenos em seu mundo à parte.
O pé às vezes molhado pelas fontes que espirravam água repentinamente ou pelo bebedouro que era quase como uma atração turística. As mãos sujas, assim como as roupas, tudo bem, isso já era rotina. Mas a flor não combinava.
Não adiantava, a flor era muito radical! Os cabelos que a sustentava eram rebeldes, se lançavam ao vento junto ao vestido. E os olhos se fechavam numa expressão quase sublime, mas a flor permanecia intacta.
Talvez fosse medo. É, medo de ser só mais um amor de verão, medo da chegada do outono. E se a flor caísse murcha? Então a ostentava ali, quase despretensiosa, como uma coroa.

E se dissessem que foi ela quem catou, tudo bem, era mesmo menininha para esse tipo de coisa. Mas seu olhar não resistia a acompanhá-lo quando ele atravessava a praça e vinha, mais uma vez, em sua direção.

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Com seu rotineiro semblante austero e pesado, carregava dentro dos olhos a experiência de quem já viveu muitos amores e um contingente ainda maior de dissabores.
    Ela, menina faceira, não se importava com o manto que lhe cobria gentilmente. Era da terra e se a terra lhe cobria, mal não havia.
    Ele não entendia a contraditoriedade daquela menina, o contraste da sua imundice com sua flor não hesitante, que sabia ser ali o seu lugar.
    A lógica dela estava justamente no que os outros julgariam a falta da mesma.

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  3. ó, lindão.
    me lembrou 'Bandolins' do Oswaldo Montenegro.
    (textos sempre me lembram canções...rs)

    voltarei pra ouvir coisas aqui.

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  4. Eu gostei muito. Uma leitura doce. Parabéns:)

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