A Floresta



Os ouvidos, apurados, tateiam o som. Ela o persegue. São passos lentos, mas firmes, que regem um suspense, uma curiosidade que lhe cai bem. E cada vez que nota as notas ela adentra ainda mais àquela floresta. Anda tão distante de si que demora a reparar nas sombras dançantes, a valsa que toma a flora em seu desabrochar. A garota se estupefaz! A vida brota em cada poro e a cor surge de todo canto e tudo sugere-se tão convidativo e contagiante que seus pés que recearam pisar nas silhuetas das árvores não se demoram, adiantam-se.
O gato em seu encalço, busca os fiapos que escapam da bolsa à tiracolo. A costura movimenta-se ao vento e faz com que o animal entretenha-se atrás da garota. A música deixa seu rastro, inclusive no rosto da menina, em um sorriso de fascínio e na determinação em alcançar a origem do sonido
Os raios de sol sobrevivem à cúpula das árvores e clareiam o local. Acima da cabeça da garota, um céu esverdeado formado pelos tantos galhos que se entrosam e se enroscam uns nos outros e suas folhas chiam e também dançam aos ventos. Os pássaros agitam-se e vêm ao encontro da pequena acompanhando-a quando ela passa pelas árvores em que se encontram. Seus cantos complementam a melodia da floresta que comporta-se una em sua ressonância extasiante.
Em um determinado momento ela se permite apenas fechar os olhos e apreciar a sinfonia que a guia quase que instintivamente. O ritmo da música a tomara e a conduzia espontaneamente e só agora, depois de tantos passos sonâmbulos, ela vem a reparar em um ruído ao fundo que lhe é um tanto familiar. Havia ali algo que a remetesse ao piano emocionado que sua avó tocava.
As lembranças de sua velha lhe suscitam imagens vívidas das festas em família e ela descobre que o vinil que tocava nestas ocasiões também está presente na música da floresta, assim como o violino que ela tanto teimara em aprender a tocar, mas nunca conseguira tirar as mesmas notas que seus ídolos. Sua memória entoa exclamações que ilustram seu caminho desenfreado à fonte de todo aquele ruído.
O som progride em seu compasso e os passos já são involuntários. A floresta  torna-se cada vez mais densa e o dia esvai-se diminuindo a visibilidade. Os saptinhos, uma vez vermelhos, agora não se distinguem da cor da terra e o gato que estivera com ela já não podia ser visto. A magia que a encantou, agora a incomodava, e não havia muito que pudesse ser feito, pois ela já não tinha controle sobre seus membros e sentia-se impotente perante a situação.
O desespero de vagar pelo desconhecido em meio à escuridão tomava-a. Os galhos que podiam ser vistos eram deformados e tortuosos o vento uivava anunciando a noite gélida. O piano perverso ditava notas cada vez mais agudas e os instrumentos desafinam-se numa regência descompassada e ardilosa fazendo-a mero joguete, uma marionete dançante.
Ela roda e roda e roda, perdida e solitária e, de repente já não é mais ela a rodar, mas toda a floresta ao seu redor. Eis que as cordas tencionam  e um ruído estalido encerra repentinamente a música desatinada. O silêncio mortal toma conta da pequena clareira em que a menina se encontra, agora desacordada e estatelada no chão.
O vento sopra seus cabelos e seu vestido. Sua respiração demora até se estabilizar, mas quando o faz transmite o alívio do corpo. A paz imponente é decisiva: é o sonho de oito horas ou o crepúsculo da alma.
E por detrás das árvores que cercam o corpo jazido na grama a orquestra se indagava: “E se ela acordar?”

Comentários

  1. É belo enxergar através das suas palavras.
    Sempre sinto como se fossem quadros sendo pintados. Ao final de cada texto sinto como sendo um bom quadro que pintei sendo vendido. Mesmo tendo lido e relido o texto, mesmo já tendo-o decorado e decorado todas as cores, nunca parece suficiente. É como se eu recusasse a acreditar que eles tem fim, sempre quero que eles continuem.

    E seus textos continuam, sempre melhorando. Feliz 19!

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  2. E ai Chico? baum d+ velho?
    Muito bom seu blog hein. Apesar da tematica entre eles ser totalmente diferente, add lá na lista de parceiros do meu (Gentequevegnomos.blogspot.com) acho que ce já comentou por lá. parabens.

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  3. Olá estraño.
    Obrigada pela visita lá no meu blog. Adoro quando aparece gente nova pra comentar as minhas viagens, digo, posts. Hehe.

    Muito bom o teu blog! Belíssimos textos. Bastante inspiradores.
    Vou lembrar de visitar sempre.

    Beijos!
    "D

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  4. Visitante! Muito, muito bom mesmo. Arrepiei aqui também. Parabéns pelo bom trabalho.

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  5. curti, mermão... realmente, como alguém comentou antes, a imagem que vem à cabeça é a da alice andando na floresta.. e o joão fritor falou pra mim que era 'viagem de lsd' e posso concordar com isso também... haahaha
    curti, mermão... curti...

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