Turista

Pediu-me um cigarro, eu disse que não fumava; Pediu-me um gole, eu disse que era água; Pediu-me, então, um segundo e eu quase disse que não tinha relógio, mas era ser egoísta demais, então me sentei.
Era um banco de madeira, que era para ser branco, mas descascado e imundo não fazia jus às pretensões dos cidadãos. Tudo bem, era só mais uma das inúmeras coisas que não seguiam o ritmo da metrópole: ele, o banco e ele, o turista.
A impaciência estampada em meu rosto logo se desmanchou. Não por que as palavras dele me interessavam – mesmo por que até este momento ele não tinha dito nada – mas pela feição que ele ostentava e que despertou-me alguma curiosidade. Era mais um personagem fruto do cotidiano apressado que se instaura no labirinto de concreto, e aquele fruto, mais do que maduro, jazia ao pé da árvore que eu adoraria dizê-la frondosa, mas a julgar por seus produtos preferi interromper minha caracterização.
"A vida pode ser estranha" foi como ele começou aquele diálogo. E continuou: "sabe, estar à margem da sociedade não significa nada, é apenas uma expressão. Não existe sociedade de fato, não existe um grupo que te exclua do convívio, o que existe é uma convicção comum, é um conceito enlatado e distribuído gratuitamente à quem tem alguma renda. As classes sociais nunca lutaram realmente, os ricos nunca se opuseram aos pobres e toda essa denominação comum, toda esta classificação dos outros simplesmente é fantasiosa por que os outros são uma reunião de projeções suas. Sabe, inevitavelmente está-se sozinho. Aqueles que pensam que esta vida à margem, desapercebido, é mais dolorosa do que a deles muito se engana. Chamam-nos carentes, consideram-nos privados de atenção mas só o fazem por que são eles quem querem a atenção! E nos culpam por não possuí-la! Eu não quero atenção, eu não quero ser classificado por índices e estatísticas, nem por interesses e valores. Eu não faço parte dos seus outros, apesar de que você pode me classificar como quiser. Você pode viver no seu mundo artificial e achar que suas convenções fazem bastante sentido. Você pode achar que alguém realmente tem alguma razão sobre algum assunto e pode até definir peritos para dizer quem é este alguém, mas você apenas está circundado de regras que você criou. Ou pior, apenas dispôs-se a jogar o jogo. Sabe, no fundo somos todos egoístas, radicalmente por possuirmos um ego. E, se dissolvido, nossas ações não poderiam ser classificadas, de forma que um ato meu seria um ato nosso e não haveriam fatos para serem medidos. Veja que a origem da desigualdade está na caracterização e quanto mais prolixos, quanto mais nosso vocabulário se expande, menos conseguimos nos comunicar. Pense que quanto mais grupos de outros você tiver como réus, e isso é um julgamento, maior é a sua terceirização da culpa e mais distante você estará do plural que somos. Eu não preciso do seu trago, eu não preciso do seu gole e eu também não preciso da sua atenção realmente. Eu lhe agradeço a sua pausa, pois sei que ela foi sincera. Agradeço-lhe também o sentimento de condescendência e piedade, mas recuso-o: volto a repetir, não sou dos seus outros. Falta-me algo a ser resolvido, falta-me algum esclarecimento, mas não é sobre as pessoas nem sobre a vida dos homens. Enquanto isso, vago por aqui e por ali."
Acabou seu discurso e eu estava boquiaberto, ainda perdido em suas palavras. Quando eu reparei que ele se preparava para deixar-me à sós comigo," inevitavelmente", como ele diria, passou pela minha cabeça a ideia de que eu não sabia o nome dele. Como que lendo meus pensamentos, deixou-me sua última saudação em forma de surpresa:
"Os homens e seus títulos... sabe, acho que turista é um eufemismo que me agrada."

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