Estilhaços

Ela sobe pela escada de incêndio e vislumbra os vestígios de quem passou por ali mais cedo. Há portas escancaradas e homens desmaiados com o braço sem mais lugares para as picadas do vício; Garotinhas, com tanto medo quanto ela, encolhidas em posição fetal no canto de uma sala escura; Mulheres de roupas rasgadas e maquiagem borrada, no corredor e no interior das casas. Putas ou amantes, desesperadas por um amor que já não faz mais sentido. Ela continua subindo, sem freios, em busca de uma luz.

Cada passo dado naquele corredor extenso é um ano de idade a menos e a vida se retrocede diante de si. Ela vê uma porta imaginária com os pais em uma discussão violenta e de repente ela tem sete anos de idade. No outro instante ela está segurando seu ursinho de pelúcias que fora tantas vezes costurado pela avó, porém desta vez ele está manchado de sangue e não há como remover. Fora sua irmã quem fizera aquilo, e, no entanto ela tem agora apenas cinco anos. Aos três ela se lembra da canção de ninar que o rádio tocava e toda aquela música envolve sua mente, logo há três mulheres cantando ao pé do seu ouvido cada uma das notas da melodia e seus passos não param. Vêm as moiras consolar-lhe.

Eis que ela chega à porta da cobertura e o acesso é restrito. Está trancada e não há meio de transpô-la. Já não há luz para os cegos ou fôlego para quem se aventura no oceano. Pode ser que tudo passe, menos ela: aquela porta permanece trancada, e a garota jazida no chão, em seus pesadelos.

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