A Visão e a Presença

Este artigo foi produzido para a Revista 777 - Ano 1, Vol. 6
Você pode conferir a revista no seguinte link:
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Em todo sistema de desenvolvimento pessoal uma das premissas básicas que se espera do estudante é a construção de seus parâmetros pessoais. É apenas através deles que se pode checar realmente se há progresso ou não. No meio thelêmico, o diário mágico está associado a essa função auxiliando ao estudante a catalogar os seus resultados e compreender o que funciona e o que não funciona para si. Todo estudante sério já considerou alguma vez na vida quais são as variáveis e influências que permeiam a obtenção do resultado almejado e talvez avaliar o contexto de forma lúcida seja a melhor maneira de entender as nossas potências e os nossos desafios. É com base nesse conhecimento que podemos falar sobre a construção de nossos parâmetros e assim avaliar melhor o que a nossa prática de desenvolvimento pessoal pode realmente fazer por nós.
A magia estima demais a experiência e o tempo de serviço. O argumento de autoridade preferido nas discussões mágicas é o de tempo de estudo/prática, e isso acontece por que pressupõe-se que o estudante mais velho terá maior conhecimento acerca de si mesmo e de como o seu microcosmo se comporta nas diversas experimentações às quais ele se submeteu. Infelizmente nem sempre isso é verdade, justamente pela miopia cognitiva e a voluntária seleção do túnel de realidade de cada um. Dessa forma, podemos dizer que o diário mágico de cada estudante é um recorte feito e editado pela persona mágica que veste aquele motto durante as práticas em questão, complementado por alguns comentários de outras personas que eventualmente se dão conta do que está sendo trabalhado quando o templo está aberto.
Mas, embora a percepção seja parcial e enviesada, a conquista do trabalho geralmente é evidente e incondicional. Permanece a velha máxima de que “fazendo certas coisas, certos resultados se seguem”, o que não está devidamente explicado é que ao empregar nossa consciência com maior Presença no que fazemos e na projeção do resultado que almejamos, ampliamos nossas chances de sucesso. Isso quer dizer que nessa equação há essa variável, Presença, que pode não ter sido considerada previamente pelo estudante e que pode trabalhar ao nosso favor.
Se o resultado é absoluto, independente da perspectiva de cada um, e a meta é única – o objetivo da Religião –, então podemos dizer que a prática constante e a execução da Verdadeira Vontade de cada Estrela deve conduzir à relativização das pequenas verdades do ser e à desopilação de suas perspectivas e percepções excessivamente pessoais. Em outras palavras, a trilha à Grande Obra é um caminho de despersonalização e de expansão consciencial, mesmo que estas propriedades sejam meras consequências do trabalho realizado e se somem ao magista inconsciente e despropositadamente – e nesse caso temos de perdoar a ingenuidade do adepto.
Mas Thelema não é um sistema baseado no perdão, e muito menos na ingenuidade, e se há variáveis que não estamos considerando e ferramentas que podem ampliar nossa Vontade e, consequentemente, a nossa Presença, então elas devem ser consideradas e experimentadas com a devida metodologia de cada um. É aqui que os parâmetros se fazem necessários, para que o estudante consiga verificar que o abandono de seus preconceitos e de suas crenças rasas intensificam seus sucessos e lhe aproximam de suas metas.
Longe de nós querer ditar a forma como cada um organiza o seu sistema de crenças e suas ambições. Aqui fazemos apenas a demonstração de uma fórmula, que é amplamente utilizada mas muito pouco discutida: ao executar a assunção de uma forma-Deus, o adepto deve esvaziar a sua mente e deixar-se impregnar pelas qualidades daquela divindade de forma passiva e contemplativa, até que consiga, de fato, se fundir com aquela consciência. Quando estamos tratando da execução da nossa Verdadeira Vontade o mesmo se dá: é pela quietude dos ruídos dissonantes e o êxtase do essencial – Estado de Gnose – que alcançamos e melhor canalizamos esta espécie de propósito inerente. Em outras palavras, ao calar os ecos de nossos instintos e das influências externas somos capazes de ampliar a nossa Presença e atuar com maior propriedade no mundo. Fundirmo-nos com o núcleo de nossa Vontade é nos dispor a ouvir a voz de Adonai – eis a via perfeita.
A questão é que o estudante sempre acredita que está plenamente apto. Ele não tem ciência de seus túneis de realidade constritos e de que os seus parâmetros estão embasados em sua própria experiência e por isso não têm qualquer ressonância real. Seu diário é um acúmulo de recortes de suas convicções e, com o excesso de certezas extinguem-se as possibilidades. Quão mais certo o estudante está acerca de si mesmo e do mundo, menor é a propensão de se vivenciar qualquer experiência que transforme suas perspectivas. Quanto mais engessadas suas concepções, menor é o calibre do canal pelo qual se manifesta a sua Vontade, menor a fluidez e a espontaneidade com que a vida se manifesta, menor é a sua Presença, que se apresenta opaca e indistinta – mas disso ele não se dá conta.
O que lhe falta, portanto, é o refino do êxtase. É ter padrões, parâmetros, que realmente façam jus à imensidão do que sua Essência ambiciona. Para ser capaz de incorporar a nossa Vontade com perfeição é preciso, como dito anteriormente, alcançar o estado da passividade receptiva, da contemplação do Real e do entendimento das perspectivas alheias que cercam ao adepto e que o percebem de uma forma que ele nunca se percebeu. Dissolver os próprios apegos à ideias e comportamentos pré-concebidos, analisar e reconstruir a própria lógica de interação com o Todo, expor-se ao inédito e permitir-se exibir o brilho que a sua estrela contém em si. É esse brilho que configura a nossa Presença, e é apenas através da Visão, desopilada e aprimorada, que conseguimos perceber e, assim, interagir com o Real. Menos que isso é ilusão.

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