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Mostrando postagens de março, 2010

Vênus

Não pude me conter. Ao seu lado eu era inquieto e meus pensamentos se enrolavam. De olhos nus, a me observar com certo apreço e contendo suas palavras com vírgulas cuidadosas e leve sonoridade. Falava perto de meu ouvido, quase como uma confissão, sem se importar com a multidão ao redor. E, de tão próximos, eventualmente nossos corpos se encontravam e o contraste de sua delicadeza a meu lado ressaltava-se. Seus lábios tremiam. Os meus, provavelmente, também. Alguém me dissera ser a manifestação do desejo. Talvez fosse, eu não tinha por que duvidar. As minhas dúvidas eram de curiosidade, de ansiedade em conhecê-la, de decifrar os detalhes de seu corpo que gritavam, que se manifestavam em resposta às minhas caras. Seu sorriso discreto era indescritível; Calava-me as questões do viver por uma fração de segundo, saciava todas as necessidades que eu poderia ter, exceto a de poder chamá-la de minha. Mas, em meio à multidão, seu sorriso se desfez e ela recolocou seus óculos. Encarou-me por al

HALLOWEEN

Estive exausto. E então me pego sozinho em casa, numa noite nublada em que as estrelas se escondem e a lua foge dos olhos de algum amante-vagante. Vim pelas ruas, desacompanhado da claridade prateada, e a pensar no que tinha feito. A princípio o tempo passou devagar: as sirenes eram para mim e os vultos me perseguiam. Mas então resolvi me sentar no meio fio de uma avenida qualquer e assistir os carros e o tempo passarem enquanto esperava pelo peso da consciência. Enquanto esperava pela atuação policial, a justiça, o destino. Mas a paciência me faltou. E a viatura, confusa, rodava noite a fora, mas bem longe do local. Atrapalhados, homens da lei, em busca de saciar um desejo sádico que os motiva a profissão. Confesso que até me mantive sóbrio e intacto como uma prova deve estar: As mãos sujas do sangue já seco o qual eu não tinha coragem de limpar – Na verdade a coragem que faltava era o fascínio pela obra de arte que eu havia criado ao acaso. – E me apreciava de cima a baixo. Esticava

Valsa

Feita de areia. Com movimentos leves, poéticos, que, em sua altura, em seu equilíbrio nos braços de outros, alcançava o infinito com os olhos erguidos. Pálida de tão clara, com a expressão quase indecifrável da profundeza que levava cada gesto e cada passo. Livre por todos os sentidos. E em palavras ou não, perplexa pela beleza. O encanto do segundo que se passa no toque. Em seu corpo o depreciar do tempo no ritmo impecável. Mas, indiferente ao relógio, a coreografia espontânea. Como versos, por assim dizer, lançados ao ar. Uma noite que corre apressada para quem dança sem o amanhã. A tempestade, bem além do tempo, para castigar os despertos. E na solidão, então na ousadia, a nudez de quem desafia os olhos do nada. As notas musicais, mudas, roçam suas curvas sem nada dizerem e o silêncio sempre foi propício à dança. Ela procura por quadros que a assistam, paredes que a ouçam. Procura por poetas que a imagine. Eu acho que nunca vou dormir esta noite.

Sinfonia de uma Manhã Nublada

É manhã. Mas de tão cinza quase que ainda é madrugada. E eu me desperto tão sonolento que, sem convicções de realidade, tudo que acontece é automático. A mesa de café já posta, me esperando desde a noite anterior, recebe os frios que distribuo aleatoriamente sobre ela. Resolvo presentear os vizinhos e, no velho rádio da sala, Yann Tiersen bate os dedos nas teclas do piano iniciando L’autre Valse d’Amelie. A televisão quase pulsa para reviver Amelie revirando páginas e páginas de fotografias 3x4 de rostos desconhecidos. A música refresca minha memória e agora eu estou deitado junto a ela no chão desta mesma sala. Cortinas fechadas, luzes desligadas e o som a nos envolver. Seu cheiro volta tão intenso que esqueço propositalmente o perfume para tê-lo mais tempos em lembranças. O sair de casa é quase doloroso, mas o cheiro da chuva me instiga a ver a rua. A vontade é de ir a pé sentindo as gotas na cara lavando o sonho lúcido da música. E, talvez eu resista e coloque o fone nos ouvidos par