"Impasse" ou "72"



aos indisciplinados

Conta a lenda que um jovem discípulo, perturbado com os acontecimentos do mundo que o cercava, foi ter com seu mestre a buscar soluções para erradicar o que tanto lhe afligia.


Após interrogar o ancião este lhe aconselhou que se quisesse ajudar ao próximo que começasse próximo à si. Poderia buscar a água da fonte para repor as reservas da casa já que o outro discípulo, encarregado desta tarefa, estivera enfermo.

O jovem se propôs a fazê-lo prontamente, afinal a água também servia à ele. Armado dos baldes saiu em busca do caminho que nunca havia trilhado, debaixo de um sol escaldante que castigava a região. Andou por horas até deparar-se com uma bifurcação sem qualquer placa que pudesse indicá-lo a direção para cumprir sua tarefa. Não havia cruzado com ninguém desde que partira em sua jornada e também não vira nenhuma moradia durante sua peregrinação, então se sentou diante da divergência e pôs-se a meditar.

O tempo passou e o discípulo não viu solução senão tentar um dos dois caminhos que se demonstravam diante dele. Sem saber qual escolher e já tendo perdido tempo demais optou pelo caminho da Direita.

Andou bastante tempo até cansar-se, mas persistiu na busca que terminou em outra bifurcação. Indeciso, cumpriu um instante de impaciência e esta o conduziu de volta ao primeiro entroncamento. Ia tentar o caminho da Esquerda, apesar da insegurança que lhe tomava nesta altura. Sua intuição lhe dizia que aqueles caminhos não eram fiéis e a sensação de estar andando em círculos já havia o dominado.

A expectativa de outra divisória de trilhas lhe acompanhava e quando este fato se confirmou o jovem se deu por vencido e resolveu retornar ao lar com os baldes vazios e a boca cheia de palavras para justificar sua ineficácia ao mestre.

Já era noite quando o jovem retornou exausto ao lar e deparou-se com o velho ancião com um sorriso contido no canto do rosto. Após informar ao mestre seu insucesso este lhe ordenou que descansasse, pois seu dia havia sido longo e que no dia seguinte ele o levaria trilha adentro, demonstrando-lhe as direções corretas. O jovem, intrigado, conteve sua curiosidade e teve um sono longo e duradouro.

Ao levantar-se pela manhã o mestre estava equipado com os dois baldes, e os estendendeu ao jovem num sinal de que o acompanhasse. O caminho permanecia familiar ao discípulo, no entanto demoraram apenas um quarto de hora para chegar àquela bifurcação que o marcara tão desagradavelmente. Não entendia como o tempo havia os atravessado, porém de fato estavam ali sem qualquer atalho ou veículo.

O mestre então indicou a divisão na estrada e perguntou ao jovem se este a enxergava. O jovem assentiu com uma certeza dúbia, sem saber se realmente a via. O mestre então ensaiou algumas palavras sobre como os caminhos se dispunham às pessoas e como as pessoas deviam dispor-se a eles. No decorrer da conversa o jovem percebia que aquele local não se tratava de uma bifurcação, mas de uma encruzilhada, pois percebia agora um caminho entre aquele que tomara primeiro e aquele que tomara por último no dia anterior.

Escutava as palavras do mestre com bastante atenção, deslumbrado com a descoberta que desabrochava a cada respingo de compreensão. Então o mestre indicou o local e perguntou novamente ao jovem se este era capaz de vê-lo. O jovem podia ver o que o mestre lhe mostrava. O mestre então lhe indagou sobre quantos caminhos aquele caminho do meio desembocaria se alguém se atrevesse a contar as bifurcações nele contidas.

O jovem quedara-se confuso pois não imaginava a existência de bifurcações também naquele caminho do meio que acabara de ver. Em sua crença aquele seria o caminho correto para chegar-se até a fonte de água e encher os baldes e um caminho correto haveria de ser simples e direto. O silêncio, portanto, instalou-se e permaneceu até a elucidação do mestre.

Havia ali, metaforicamente, setenta e dois caminhos. Aqueles que o jovem havia trilhado no dia anterior eram EXTREMOS e podiam ser vistos por qualquer pessoa de sã consciência, pois não exigiam qualquer sensibilidade para serem tomados. O mestre explicou que da mesma forma que qualquer outro, aqueles caminhos também levariam ao local desejado quem quer que os trilhasse, porém exigiriam bastante esforço por se tratar de caminhos inflexíveis, ou seja, só poderiam ser vencidos na base da persistência.

“O caminho do meio consiste não no contrapeso dos extremos, mas na postura do andarilho. Aquele que se identifica com seus meios sabe conhecer seus fins: uns chamam de atalho a simplicidade, outros só não vêm motivo para tanta cerimônia. O pátio central, portanto, destina-se àqueles sensíveis o suficiente para distinguirem sua Vontade do desejo. Além disso, optar pelo essencial exige um tanto de sinceridade para consigo. E são nessas bifurcações que os restantes se perdem.”

Dito isso o mestre ia se retirando quando o pupilo lhe perguntou sobre a água e os outros tantos problemas do mundo. O mestre tirou um balde da mão do rapaz, avançou pelo caminho central, desapareceu por trás da primeira árvore e voltou com o balde transbordando. Nisso, acrescentou serenamente:

“Há problemas por que há quem os enxergue. A água está bem ali. Talvez não atrás do primeiro ou do segundo arbusto, mas logo adiante...” e concluiu: “Não há mapas para a Vontade, não há guias para desvios, não há rotas para o indolente”.

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